terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Pôr-do-sol



Ela. Tão menina, insegura e indecisa. Um coração cheio de compartimentos, seu interior mais parecia um emaranhado de conflitos. De tanto fazer poesia da vida, costumava misturar palavras e vontades, guardar tudo o que acreditava ser sentimentalidade. Suprimia dores, desejos e a lembrança de um ser proibido a dilacera em doses pequenas de agonia.
Para ela, o dia acordou cinza, mas logo o sol trouxe tímidos raios de luminosidade dando á cidade um aspecto de “pós-chuva”, tornando o ambiente mais ameno para a circulação dos passantes.
Naquele dia ela foi ao portão e percebeu tudo diferente. Não tinha tanto vento, apenas uma leve brisa que quase como em uma valsinha movia os galhos das árvores em um movimento que emana do íntimo da natureza. Essa valsinha de galhos e brisa a fez pensar em um sentimento de aflição que nunca havia sentido com tanta magnitude, o tormento de algo não realizado. Foi motivação para demolir seus muros.
Logo pela manhã, como se fosse profetisa, presumiu que a tarde seria excepcional, escolheu o vestido mais colorido e rodado, colocou uma flor no cabelo e dançou na frente do espelho. Sem maquiagem no rosto e na alma esperou a tarde chegar para sentir a brisa em seu corpo, sentir o toque e o perfume do ser que traz em seus olhos o portal que a leva a uma esfera de prazer e beleza extraordinária.
Quase sem ação, paralisada, ela perde as palavras ao encontrá-lo e se perde entre as ações do ser de olhos doces, se perde nas cores da tarde, prende-se aos braços capazes de abraçar mesmo na ausência.
Ela foi arrebatada, não pertence mais ao mundo real, foi enlaçada ao mundo dele para sempre.
A respiração parece correr, voar, não esperar decisões racionais. Faz-se som com o aproximar da pele, vozes e sussurros, gritos e movimento, há cheiro e tato, há certa pressa em fazer. Arrependimento? Dessa vez não.
Ela disse adeus, chorou, mas não o bastante para ele perceber seu desespero. Foi o bastante para ter certeza que aquela despedida mexeu com seu íntimo. Caminhou para casa com ares de quem demoliu muros e construiu pontes capazes de levá-la á um mundo novo, um encontro com o desconhecido.
Foi uma experiência única e ela jamais presenciará um entardecer tão belo quanto o daquele dia, nunca mais verá aquele ser da mesma forma, nunca mais o encontrará, ela se foi e ele também.
O pôr-do-sol nunca foi tão lindo, tão único e tão secundário simultaneamente. A presença do ser, ali, tão dela e tão fascinante, fez do sol um coadjuvante perante o entrelaçar de duas pessoas e seus anseios.
Talvez para ela fosse mais fácil se não houvesse mais pôr-do-sol, se não sentisse mais seu cheiro, se não lembrasse mais de seu toque, se não recordasse da leveza de suas palavras, se não houvesse mais o entardecer, se voltasse a construir muros. Nem assim ela o esqueceria, o ser tão doce surgiria sorrateiramente como no ritmo de uma valsinha, como a brisa que move sutilmente os galhos das árvores.


Denise 

25/05/10

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